Atenção: contém spoilers leves!

O título deste post é uma ordem! Eu poderia só falar aqui que Bom Dia, Verônica, série brasileira original da Netflix é 10/10 e pronto, vocês confiariam em mim, assistiriam e seriam felizes, juro. Mas vou elaborar porque ela merece! E também porque eu conversei com o Raphael Montes, criador e roteirista da série, além de autor (junto com a Ilana Casoy) do livro que deu origem à história e com a Marina Franco, figurinista responsável pelos looks de todos os personagens desde a primeira temporada. Chique!

Bom Dia, Verônica é tipo aquela letra do Chorão “tu gosta na primeira, se apaixona na segunda e perde a linha na terceira”. Pense em temporadas, tá? Quando assisti a primeira ano passado, achei ótima. A segunda acabou de sair e eu fiquei doida! A terceira, se dona Netflix for inteligente, vem aí pra nos enlouquecer de vez.

No começo da história, Verô (interpretada por Tainá Müller, que se quiser ser minha amiga, eu aceito!!) é escrivã da polícia em uma delegacia de São Paulo, até que ela presencia um suicídio e seu instinto de investigadora toma conta. Ela passa a temporada tentando desmascarar o autor de uma série de crimes violentos contra mulheres e, como se isso já não fosse suficiente, as ligações sinistras entre alguns policiais e figuras poderosas do país, uma herança que seu pai (também policial que investigava esse povo) deixou pra ela.

A primeira temporada, aliás, destruiu completamente o crush que eu tinha no ator Eduardo Moscovis desde que ele fez o Nando na novela Por Amor. Em Bom Dia, Verônica, Eduardo faz Brandão, marido de Janete (Camila Morgado) e um dos personagens mais horrorosos que já vi em uma série. Se prepara!

E se prepara também pros temas pesados. Violência, estupro, incesto, autoflagelo, abuso…tudo é assunto corriqueiro no universo da série. Fica aqui o alerta de possíveis gatilhos!

Se apaixona na segunda

Mas foi na segunda temporada, que acabei de assistir no domingo, que eu entendi que precisava espalhar a palavra dessa série por aí! A história é a continuação do que ficou aberto na primeira, mas agora Verô é uma soldada clandestina braba se fingindo de morta pra continuar investigando, a qualquer custo, a seita da qual Brandão fazia parte. E é a qualquer custo MESMO. Ela perde pessoas queridas, “abandona” o marido e os filhos, dorme em qualquer canto e arrisca a vida todo dia pra provar que está certa. Eu sinto que se ela não tivesse esse job, não saberia o que fazer com os dias! Ao mesmo tempo, é ela ou ela. Sem Verô, crimes horríveis continuarão acontecendo com outras mulheres.

O vilão da vez é Matias Carneiro, um líder religioso desses que tem programa na tv e milhares de seguidores (não nas redes, na vida mesmo), interpretado por Reynaldo Gianecchini em uma atuação BRILHANTE. Raphael Montes conseguiu estragar dois homens classicamente bonitos no espaço de dois anos e fazer eu me sentir tipo aquelas tias que confundem os personagens da novela com os atores. Fiquei com ÓDIO do Du e agora do Reynaldo.

Verô dessa vez conta com uma aliada, a delegada Glória (interpretada pela belíssima Ester Dias), que acredita nela, também porque já foi vítima de Matias, e consegue bancar a investigação oficialmente, já que nossa heroína nem crachá da polícia tem mais.

Mas o que mais me impressionou em Bom Dia, Verônica foram as atuações. Eu consigo contar nos dedos de uma mão as produções brasileiras que assisti nos últimos tempos em que não senti que estava assistindo a robôs conversando entre si. 😓 Pode parecer duro falar isso, mas putz, quase sempre sinto que os diálogos não são naturais, que ninguém conversa daquele jeito na vida real, mas em Bom Dia isso definitivamente não rola! Klara Castanho como Ângela (FO-DA), filha e objeto de desejo de Matias, Tainá Müller como Verônica, a mulher mais autosuficiente de SP, Reynaldo absolutamente macabro e sedutor como Matias, Camila Márdila como Gisele, matriarca da família Carneiro na melhor vibe The Handmaid’s Tale, Elisa Volpatto como Anita, a delegada corrupta antifeminista, Adriano Garib como Prata, o único amigo que sobrou pra Verô…enfim, o elenco é gigante e não tem UMA atuação ruim, palmas!

Cidade maravilhosa

Sei que esse é o apelido do Rio, mas putz, São Paulo como cenário pra jornada obsessiva de Verô é quase um personagem. A fotografia da série capta a cidade muito bem, sem deixa-la cinematograficamente perfeita, com muitos dos problemas que São Paulo tem e também muito da beleza.

É engraçado e estranho ver na ficção esses tipos de crimes acontecendo onde eu moro, foi uma experiência e tanto! A série tem uma pegada norte americana e não deve nada a um CSI ou Law & Order da vida, mas Verônica andando pelo Minhocão fechado me fazia pensar que tudo podia estar acontecendo do lado de casa. Fiquei pensando quanto a Netflix teve que pagar pra fechar o espaço aéreo da cidade pra poder voar um drone perto do Parque do Ibirapuera. Esqueci de perguntar isso pro Rapha! haha

A mente doentia e maravilhosa de Raphael Montes

Eu li o primeiro livro do Raphael, Suicidas, durante a pandemia e fui absolutamente surpreendida pelo fim. A última frase do livro me fez querer conhecer mais sobre a mente perturbada (desculpa, Rapha! haha) que conseguiu criar aquela história e muitas outras, inclusive a da Verônica. Muitos personagens criados por ele são, sem rodeio, podres. Homofóbicos, gordofóbicos, machistas, tudo de ruim, assim como muitas pessoas na nossa sociedade. Eu não vejo problema em escrever e ler sobre isso na ficção, afinal, a ficção, a não ser que vá pro caminho da fantasia, é baseada nas estruturas em que o nosso mundo funciona e muitas dessas estruturas são podres mesmo.

Rapha e Ilana Casoy, que é criminóloga e autora de vários livros de true crime, escreveram Bom Dia, Verônica sob o pseudônimo Andrea Killmore e o plano era publicar uma trilogia: os outros dois livros seriam Boa Tarde e Boa Noite, Verônica. A história do primeiro livro inspirou a primeira temporada da série, mas o enredo da segunda é inédito.

Desde que li Suicidas e postei minhas impressões sobre o livro no Insta, eu e Raphael nos seguimos e trocamos algumas mensagens, então mandei uma DM pra ver se ele topava responder 3 perguntinhas sobre a série pra esse post. Ele topou! Não são as perguntas mais tradicionais que um entrevistador faria (pra essas, vocês podem dar um Google), então não temos resposta sobre nova temporada, sobre novos livros, etc, etc, mas eu amei poder conversar com o criador de uma série TÃO legal e tentar desvendar as coisas que me perturbaram enquanto assisti!

Rapha, você acha que seria possível na vida real alguém viver como a Verônica, 24 por dia no stress e suspense? Em que momento essa mulher lê um livro, vê uma sériezinha, toma um banho demorado?

Verô é uma mulher no Brasil, o que já torna a vida dela nada fácil. E, verdade seja dita, nós, roteiristas, não damos nenhum “bom dia” para a personagem da Taina Müller! hahaha Já vi muita gente fazendo essa brincadeira nas redes. Mas o título da série (e do livro pela Companhia das Letras) é por outro motivo: nossa história narra o despertar de Verônica para sua invisibilidade no sistema. E o despertar de mulheres em situações de abuso e violência, como Janete na temporada 1 e Ângela na temporada 2.

Qual é a mensagem que a série quer passar com homens tão bonitos sendo absolutamente podres? haha O Brandão era mais “largado”, esteticamente falando, mas Matias Carneiro é o garoto propaganda da perfeição, é o cidadão de bem que honra a família (do jeitinho especial dele), sempre vestindo ternos bem alinhados e com a barba feita. Você vê uma relação direta desses personagens com o momento de mundo que estamos vivendo?

Para mim, o bom entretenimento provoca, instiga e causa reflexão. Bom Dia, Verônica é uma série que dialoga muito com o mundo em que vivemos. Pessoalmente, tenho horror do autodeclarado cidadão de bem, paladino da justiça, vigia da moral e dos bons costumes. Em geral, são uns crápulas. Infelizmente, há muitos deles por aí. Além disso, acho interessantíssima a desconstrução de atores que estamos acostumados a ver em outros papeis – como Du Moscovis como Brandão e o Reynaldo Gianecchini como Matias. Não sei quem é o mais assustador…

Na minha visão, a maioria dos personagens da série está tentando resolver (ou ignorar) traumas da infância/juventude. Você acha que se todos tivessem feito terapia desde cedo, a série existiria?

Terapia é a melhor coisa que existe. Mas a dramaturgia vive do conflito, de pessoas mal resolvidas buscando corrigir algo em si mesmas e no mundo. Por isso, personagens terapizados não ajudam muito a contar uma boa história… hahaha Além de sessões com a psicóloga, eu escrevo livros e roteiros de suspense e mistério. Quer terapia melhor do que essa?

Tá achando que o post acabou?

Achou errado! Como contei lá em cima, também mandei uma DM pra Marina Franco (depois de ter a grata surpresa de descobrir que ela me seguia! 😱). Marina, junto com sua equipe, é a responsável pela construção visual de todos os personagens da série desde a primeira temporada. Eu quis conversar com ela porque, na segunda temporada, os looks da Verônica me chamaram muita atenção, mas não só os dela!

Matias Carneiro vestido de lobo (pegou, pegou?), Ângela vestida de pequena princesinha do pai querendo se libertar, Gisele vestida de bela, recatada e do lar…quando você assiste a uma obra de ficção em que os personagens são tão bem definidos, dá pra notar como as roupas têm um papel importante nisso. Então, com vocês, Marina Franco:

Uma vez ouvi em um podcast a figurinista da série The Office dizendo que era uma grande preocupação dela que os personagens só usassem roupas de marcas que eles realmente poderiam comprar. Em quais lojas brasileiras você acha que os seguintes personagens fariam compras? Verônica, Anita, Ângela, Matias e Prata.

Esse é um raciocínio muito pertinente e para mim faz da cartografia do personagem. Eu uso esse pensamento pra desenhar o perfil, o guarda-roupa mesmo, mas às vezes os roteiros e os orçamentos não permitem que a construção seja feita dessa forma. Nem sempre conseguimos fazer um personagem rico por exemplo, só com roupas de rico (risos) genuínas, um suéter de cashmere novo pode custar R$6.000. Eu faço uso da mistura, invisto em peças pontuais mais valiosas, em compras de segunda mão e peças alugadas. Sobre as marcas, acho difícil desenhar um perfil só porque acho que hoje em dia as coleções são globais. Pra Verônica e Anita compramos, entre outras, na Ellus, Zara, Renner, Diesel. Ângela C&A, Zara, brechós e mandamos fazer algumas peças chaves. Matias tem um perfil de marcas de alfaiataria com um toque excêntrico. E Prata é um cara de camiseta de banda e jaqueta de couro brechó.

Na primeira temporada, o figurino da Verô já era super prático e confortável, mas na segunda, senti uma vibe meio soldada moderna no meio de uma guerra urbana. Quanto desse figurino foi pensado pra Verô conseguir passar despercebida e sobreviver?

Total. É isso, sua leitura foi perfeita. Foi o que desejamos e criamos. Uma mistura de soldado com motoboy, com mangá. Passar despercebida e funcionar com moto era importante pro roteiro. Mas acho que ficou forte e cool também.

A roupa é um dos vários jeitos pelos quais Matias controla a filha Ângela e ali pro final da temporada, ela parece estar livre, psicologica e esteticamente falando. O quanto você acha que alguém pode ser infeliz vestindo-se de outra pessoa?

Para mim, a expressão visual do sujeito é algo fundamental. Eu acho que se você dá um peso grande pra o vestir-se, vc deve fazê-lo com paixão, alegria, tesão, inteligência e criatividade. Se isso não é importante pra você, tudo bem. Eu acho que a felicidade está em estados de espírito, não está nas roupas em si, mas elas são objetos mágicos, o meu espírito se alegra muito com roupas belas. Roupas têm sim o poder de mudar o espírito, o humor.

Bom, se eu ainda não consegui te convencer a assistir Bom Dia, Verônica, eu desisto!! Mas se eu te convenci, depois me conta o que achou? E você que já maratonou, me conta aí embaixo qual homem bonito você acha que Bom Dia, Verônica vai estragar na terceira temporada? Eu aposto no Wagner Moura e já disse pro Rapha que se rolar, nunca o perdoarei. haha As duas temporadas (cada uma com 8 episódios) estão disponívels na Netflix.