Quando alguém fala sobre “a mulher brasileira no esporte”, automaticamente vem a Marta na cabeça de muita gente. Claro, em um país onde o futebol rege o meio esportivo, ter a rainha nascida aqui é um grande mérito. Mas a história da mulher no esporte brasileiro vai além dos seis títulos de melhor do mundo de Marta, e muuuuuito além das quatro linhas do futebol.
E essa história passa pelo esporte Olímpico! Passa por Rebecas, Rayssas, Sheilas, Hortências, Aidas…e tantas outras lendas que acabam esquecidas por celebrarem os aros Olímpicos e não a Copa do Mundo. E, olha, eu não tenho nada contra o futebol, muito pelo contrário, mas em um país que esquece do esporte olímpico fora das três semanas das Olimpíadas (de quatro em quatro anos), nada mais justo que relembrar essas mulheres tão fodas, né?
A primeira atleta que o Brasil teve em Jogos Olímpicos foi a nadadora Maria Lenk em 1932, em Los Angeles. Com 17 anos, Maria carregou o peso de ser a primeira esportista mulher da América do Sul a ir aos Jogos Olímpicos. Vivendo nos anos 40, quando o governo brasileiro literalmente proibiu as mulheres de praticarem alguns esportes, Maria foi revolucionária e não deu ouvidos. O decreto de lei 3.199 determinava que as mulheres não podiam praticar esportes classificados como “incompatíveis com as condições de sua natureza”. Que diabos seria isso??? Bom, independente da determinação nacional, Maria Lenk continuou dominando as piscinas.
A nadadora foi com a Seleção Brasileira de natação para os EUA e quebrou 12 recordes na modalidade. Mas as dificuldades eram as mais básicas: “O que valia era o conceito do amadorismo. Eu competi com um uniforme emprestado, que tive de devolver quando as provas acabaram”, Maria contou anos depois. Mesmo sem nenhuma medalha olímpica, ela é integrante do Hall da Fama da Natação.
Maria Lenk foi pioneira, mas outras atletas que vieram depois dela não tiveram uma vida muito mais fácil não. Um episódio muito marcante da história do esporte brasileiro foi protagonizado por Aida dos Santos, uma mulher preta, vinda de família pobre, que foi a única representante mulher do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964.
A praticante do salto em altura não foi a primeira brasileira preta a disputar as Olimpíadas, Melania Luz participou dos Jogos Olímpicos de 1948 em Londres, mas a história de Aida fica marcada por sua resiliência em competir. A atleta não tinha treinador, equipamentos, roupas ou sequer apoio para estar nos jogos. Tinha que ir para as competições de transporte público e treinava para o salto em altura com as roupas dadas pelo seu clube no Brasil, o Botafogo. A atleta brasileira ganhou sapatilhas de competições das rivais, porque nem isso tinha, e relata que chorou todos os dias de competição por não ter nenhum apoio. Aida ficou na 4ª colocação, fez história sendo a primeira mulher brasileira a disputar uma final olímpica e obteve o recorde sul-americano com a marca de 1,74 metros.
Depois de Aida, foram 32 anos sem ver mulheres brasileiras disputando finais olímpicas. Trinta e dois! Mas os jogos de Atlanta em 1996 mudaram os rumos da história. No vôlei de praia feminino, a final foi 100% brasileira. Jacqueline Silva e Sandra Pires levaram o ouro ao vencerem as compatriotas Adriana Samuel e Mônica Rodrigues. Nada mais justo, afinal o vôlei de praia é uma invenção brasileira. Vocês sabiam? Essas foram, claro, as primeiras medalhas do Brasil conquistadas por mulheres em Jogos Olímpicos.
Mas se duas já estava bom, a força feminina garantiu mais uma. Também em 1996, Janeth, Hortência, Magic Paula e suas companheiras ficaram com a prata no basquete feminino, perdendo apenas para os Estados Unidos. Hoje Hortência, a rainha do basquete brasileiro, ocupa um lugar no Hall da Fama Mundial do Basquete, enquanto Janeth e Magic Paula têm sua vaga garantida no Hall da Fama do basquete feminino.
Por um pequeno detalhe, um grande nome do esporte feminino do Brasil nunca teve a oportunidade de disputar as Olimpíadas. A tenista Maria Esther Bueno nunca sentiu o gosto de um ouro olímpico, apesar de já ter sido considerada a melhor tenista do mundo nos anos 60, quando ainda não havia ranking mundial. Isso porque o tênis foi cortado do programa olímpico logo após os jogos de 1924 e só retornou à competição em 1988, quando Maria Esther, aos 50 anos, já tinha se aposentado. Mesmo assim, a tenista é referência mundial no esporte e foi campeã de 11 Grand Slams e campeã panamericana em 1963. Merecia estar aqui no post!
Inspiração para todas
O pioneirismo dessas mulheres inspirou TANTAS outras e ajudou a criar e fazer crescer muitas novas atletas.
As primeiras Olimpíadas que eu me lembro perfeitamente, com detalhes, foram as de Pequim (em 2008) onde justamente o Brasil conseguiu sua primeira medalha de ouro no vôlei feminino. Para mim, a geração de Sheila, Thaísa, Fabizona, Nathalia, Fabi e Fofão era uma geração de ídolas! Ver a Sheila porrando bola no chão da quadra dos Estados Unidos era um êxtase pra mim, sério. Me fez até entrar pro vôlei, pena que eu era horrível. haha Mas isso é só um micro exemplo de como essas mulheres inspiram.
Já Rebeca Andrade, campeã olímpica em Tóquio e a primeira mulher a conseguir duas medalhas no Brasil em uma mesma edição de Jogos, teve como inspiração Daiane dos Santos. Duas mulheres pretas que fizeram o país vibrar com suas conquistas em um esporte historicamente branco e elitista. Uma mulher preta que inspirou uma menina preta a conquistar o mundo levando funk pros Jogos Olímpicos do Japão.
Rayssa Leal, a fadinha medalhista mais jovem do Brasil em Olimpíadas, aprendeu a amar o skate com Letícia Bufoni. Uma mulher que revolucionou um esporte majoritariamente masculino, onde as mulheres eram discriminadas. Letícia é considerada uma das maiores skatistas de todos os tempos, com 12 medalhas dos X Games. E se não bastasse ter uma medalhista de prata com 14 anos, a mulher com mais títulos da história dos X Games, o Brasil ainda tem a atual melhor skatista do mundo e Bicampeã da Liga Mundial: Pamela Rosa.
Essas mulheres citadas são exemplos práticos de pioneirismo e resistência. O talento é enorme, mas o caminho ainda é longo para que todas sejam valorizadas como merecem!
O Brasil domina a Vela com Martine e Kahena, bicampeãs olímpicas. Tem a judoca Mayra Aguiar como a única mulher do país a conseguir três medalhas em três olimpíadas seguidas. Tem Ana Marcela Cunha, a rainha das águas abertas e atleta brasileira com números mais expressivos da história nessa modalidade. Ainda temos Tati Weston-Webb, que já foi vice-campeã mundial no surfe, Rafaela Silva, medalhista de ouro no judô, seleções de vôlei vitoriosas…Sem contar todas as conquistas que o futebol feminino tem, com nomes como Marta, Cristiane, Formiga, Tamires…
São tantas outras grandes mulheres do esporte, que se eu fosse citar todas por nome, esse post seria um livro! E um livro que teria que ser atualizado o tempo todo, já que, a cada dia, novos talentos femininos nascem no Brasil.
Acho que, acima de tudo, esse texto traz um recado: é preciso valorizar as mulheres esportistas no Brasil. Valorizar o esporte olímpico brasileiro. E, principalmente, lutar por um país onde, cada vez mais, o talento feminino possa brilhar no topo do pódio. Até a próxima sexta!
Nossa Senhora, arrepiei inteira! Post incrível!!!
Nossa, que publicação gostosa e necessária de ler. Quantas mulheres que eu não conhecia 👏👏👏
Que texto! Passa um filme.. hoje mesmo no trabalho comentei que se eu tivesse “maetrocinio” talvez eu teria me tornado atleta.. que venha um futuro em que todos os talentos sejam valorizados! eu como amante do esporte, apaixonada por tantas modalidades, espero ansiosamente por isso.
👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽